Da Foto ao Fluxo: Como Locais “Instagramáveis” Estão Redesenhando o Mapa do Turismo

Era só uma pedra em forma de língua pendendo sobre um abismo na Noruega. Até que virou estrela no Instagram. Trolltunga, outrora um destino remoto, hoje atrai milhares de turistas por temporada — muitos movidos pelo desejo de uma única foto épica. O fenômeno não é isolado. Em todo o mundo, cenários antes tranquilos foram catapultados à fama digital e, com isso, transformaram-se em centros de peregrinação para influenciadores, mochileiros e aventureiros em busca do “clique perfeito”.

Mas por trás da estética das redes sociais, há impactos profundos: ecológicos, sociais e emocionais. O turismo da era digital está nos levando a lugares extraordinários — mas será que estamos deixando algo de valioso para trás?

O algoritmo como guia turístico

Com mais de um bilhão de usuários ativos, o Instagram tornou-se o novo agente de viagens global. Segundo levantamento da empresa de dados Schofields Insurance, 40% dos jovens entre 18 e 33 anos escolhem seu destino com base no “potencial fotogênico” do local. A lógica é simples: quanto mais “instagramável” for o cenário, mais desejado ele se torna.

Trolltunga é um dos símbolos dessa nova dinâmica. A trilha até o penhasco, que exige cerca de 10 horas (ida e volta) de caminhada exigente, passou de 500 visitantes por ano para mais de 80 mil após sua explosão nas redes. Casos semelhantes se multiplicam:

  • Lake Louise, no Canadá, viu um aumento de 30% no fluxo turístico em 5 anos.
  • Cinque Terre, na Itália, limitou o número de visitantes após filas intermináveis por uma selfie nos vilarejos coloridos.
  • Mount Roys Peak, na Nova Zelândia, tornou-se ponto de aglomeração em sua estreita crista montanhosa, gerando riscos de queda.

O turismo visual, impulsionado por curtidas e algoritmos, redesenha prioridades. O destino deixa de ser sobre o que se vive — e passa a ser sobre o que se mostra.


Overtourism: quando a trilha cede

O problema não está em querer registrar a beleza — está no desequilíbrio que isso provoca. O termo overtourism, popularizado na última década, define exatamente isso: o excesso de visitantes em um local, além de sua capacidade ecológica ou estrutural.

Na Noruega, equipes de resgate foram acionadas dezenas de vezes em Trolltunga para socorrer turistas despreparados para o desafio físico. Na Tailândia, a paradisíaca Maya Bay (cenário do filme “A Praia”) foi fechada por tempo indeterminado em 2018 devido à destruição de 80% de seus recifes de coral. Em Machu Picchu, o Peru adotou turnos e restrições severas para preservar o sítio arqueológico do impacto de multidões.

As consequências vão além do meio ambiente: moradores locais enfrentam inflação, descaracterização cultural e perda de identidade. O lugar deixa de pertencer à comunidade e passa a ser cenário — às vezes hostil, sempre efêmero.


A era da experiência encenada

As redes sociais criaram uma estética da experiência. Muitas vezes, o turista não quer mais se perder em trilhas, ouvir histórias locais ou descobrir algo novo — quer recriar exatamente a imagem que viu online. Isso cria uma espécie de “roteiro obrigatório” em lugares naturais: ângulo certo, pose padronizada, legenda pronta. A jornada vira performance.

Mas onde fica a experiência genuína? Quando a busca pela imagem perfeita toma o centro da cena, corre-se o risco de perder a conexão com o lugar, com as pessoas e, mais profundamente, consigo mesmo.


Caminhos possíveis: turismo de presença

Há iniciativas que apontam saídas mais conscientes. A Islândia, por exemplo, lançou a campanha “Inspired by Iceland”, que incentiva turistas a viver experiências reais em vez de apenas fotografá-las. A Nova Zelândia criou o movimento #DoSomethingNewNZ, promovendo o contato com a cultura e comunidade local em vez de seguir tendências de viagem copiadas.

Além disso, o chamado slow travel — viajar com menos pressa e mais propósito — ganha força entre aqueles que buscam significado, e não apenas registros. É o turismo da escuta, do silêncio e da descoberta fora do roteiro.


Será que estamos mesmo indo mais longe?

É inegável que as redes sociais democratizaram o acesso à beleza do mundo. Mas também nos desafiam a refletir: estamos realmente explorando o planeta — ou apenas seus pixels mais atraentes?

Destinos extraordinários merecem mais do que uma passagem rápida por um feed. Eles pedem respeito, tempo, presença. A natureza não é palco de selfies: é convite à transformação.

E você, que tipo de viajante quer ser nos próximos anos — o que passa, ou o que realmente se permite estar?

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